Crônicas

CORDEL MAIS ENROLADO

O rei da brincadeira, ei José! O rei da confusão, ei João!

José e Marta. Mas qual Marta? Ainda um nome frágil. João e Maria. Simplista. Vida bruta e comedida. Olho no olho e um arranhão. Árvore de amendoeira. Prisão. José e Marta, ambos, enrolados no chão. Frio, Muito frio com José e Marta. João e Maria, não.

O céu nublado, José e Marta na calçada, roxos de frio. Pensei em João, pintor nordestino e falador; pensei em Maria, Maria das Dores, moça prendada, também nordestina, recatada, muito nova ainda.

Um arranhão. Olho no olho e a amendoeira molhada. Triste fim a prisão. O que é uma pessoa abandonada? Frio. José e Marta, então…

Céu nublado, João e Maria na casa, roxos das brigas. Pensei em José, balconista de pequeno armazém; pensei em Marta, pobre ninguém! Não tinha um quarto pra dormir. Há mesmo um lugar pra ir?

Marta sem quarto. José balconista. Não conhecem João, pintor de parede, tampouco Maria das Dores, muito moça ainda. Coitada! Vivem como se nunca soubessem do sofrimento alheio.

Sucedeu certo dia, a fruta deliciosa e madura, brilhava nas mãos de José e Maria das Dores queria apenas a maçã. Recebeu um beijo ardente, um bilhete, um olhar apaixonado. Maria, faceira, disse que não, muito obrigada. Recebeu outro beijo e um agrado.

Não demora veio a chuva. Baita chuva. Grossa como a desesperança. Não se trata de criança! Soube João. Virou uma fera! Mal-agradecida da Maria. Vai ver o que espera.

José e Marta não se falavam mais. Amor, um nome escrito na amendoeira, já gasto e quase ilegível, frágil… João brigou, passou a faca e o vestido de flor murchou-se de vida. Olhou nos olhos de Maria a desfeita ocorrida. A polícia sem demora prendeu o marido traído e o quarto agora era um mar vermelho, moça vermelha, flores vermelhas de um amor não resolvido.

A calçada acaricia os corpos frios e desiludidos de José e Marta. Não se olham. Não se amam. Ela não sabe de Maria, Maria não sabe de João, João não sabe de José e o amor não sabe de ninguém.

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Campista Cabral

Campista Cabral, leitor assíduo dos portugueses Camões e Pessoa, do poetinha Vinícius, herdou deles o gosto pelo soneto. A condensação dos temas do cotidiano, assim como a reflexão sobre o fazer poético, parece procurar a sua existência empírica ou, nas palavras do poeta, um rosto perfeito, na estrutura do soneto. Admirador e também leitor obsessivo de Umberto Eco, Ítalo Calvino, José Cardoso Pires, Lobo Antunes, do mestre Machado de Assis e do moçambicano Mia Couto, retira dessas leituras o gosto pela metalinguagem, o prazer em trabalhar um espaço de discussão da criação literária em sua prosa. A palavra, a todo instante, é objeto base dos contos e das crônicas. A memória, o dia-a-dia, o amor, as sensações do mundo e os sentidos e significados da vida estão presos nos mistérios e assombros da palavra.

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