Crônicas

Crônicas, Filmes e Fotos

Em Crônicas sobre uma foto falei sobre o tempo, falei um pouco do passado, falei de memória. Tomei emprestado um verso do grande Manuel Bandeira, “…tempos de eu-menino…” E, também, tomei por empréstimo Pasárgada. Mas o poeta há de entender. Retirei algumas fotos de caixas de papelão (quem hoje ainda faz isso?) e lembrei de mim e de pessoas que passaram pela minha vida. Muitos, ainda sempre vistos e abraçados. Outros, nunca mais vistos… Não tive e talvez nunca tenha o paradeiro ou qualquer referência que o valha.

        Mas.

        Ao falar sobre o tempo nessa sequência de crônicas, percebi como dói, às vezes, lembrar certas coisas, certos fatos. Contudo vi que, de mesmo modo, a alegria em rememorar determinadas aventuras era, também, muito forte. Escrevi em outros textos, escrevi em poemas e contos sobre a questão do tempo, sobre a passagem do tempo. Quem escreve sempre fala sobre o tempo…

        Sempre há algo a dizer. Sempre há alguma coisa para desenterrar… O tema não se esgota.

Eu me lembro de um filme interessante, Conta comigo (1986), com Richard Dreyfuss. Neste longa, a temática do tempo é abordada por um escritor (Dreyfruss) que resolve fazer um livro sobre a sua infância. Ao pensar sobre o passado, percebe que seus verdadeiros amigos (no que essa palavra possui de mais significativo) sempre foram os ‘esquisitos’ dos tempos de moleque. As aventuras e desventuras vividas pelo grupo de meninos marcaram de tal forma a sua visão de mundo que ele não poderia jamais esquecê-los.

        Em Quero ser grande, outro filme dos anos 80, um menino, inconformado com certas ‘barreiras’ da infância encontra uma forma de crescer bem rápido e, então, o jovem Tom Hanks fica perplexo com a sua imagem de homem adulto: um homem dividido entre as coisas de garoto e a descoberta do amor.

        O tempo e o fascínio que nos provoca. E se tivéssemos poder sobre o tempo? Uma máquina, por exemplo?

        Foi o que pensou Robert Zemeckis em De volta para o futuro (1985), uma trilogia que brincava e bagunçava de vez com o tempo. Eu era garoto. Um garoto de dez anos. E via Marty McFly correr com seu skate, tocar a sua guitarra em volume ensurdecedor e entrar em um DeLorean para voltar aos anos 50 e aprontar muito.

        Mas o que eu quero dizer com tudo isso?

        Em todos os filmes citados, o tempo é o assunto abordado. O tempo é o elemento mestre que impulsiona as personagens em suas histórias.

        Quando via as fotos e escrevia as crônicas não parava de pensar em mim mesmo: criança, jovem, adulto. O gosto da jabuticaba tirada do pé. O gosto da manga e os joelhos esfolados pelas quedas de bicicleta. O mergulho nas cachoeiras. As trilhas na Reserva da Mata da Câmara feitas por pequenos grupos. Mais uma vez o gosto, o gosto do primeiro beijo. Aquele morder de lábios e os olhos fechados e as mãos nervosas e incontroláveis… Ah! As mãos!

        Posso ver o olhar abobalhado de Marty Mac Fly quando sente que sua mãe o olha perdidamente apaixonada. Posso ver o sorriso de Tom Hanks pulando como criança junto com o amigo de 12 anos em uma cama elástica. Posso ver os meninos que atravessam léguas e léguas seguindo os trilhos da ferrovia só para resgatarem o corpo de um garoto.

        É o tempo. O fascínio do tempo. A passagem das horas e a vida que vai e vai…

        Recoloco as caixas em seu devido lugar: o armário.

        Mas.

        Ouço as vozes do tempo. Sou eu-menino correndo nas ruas da pequena cidade. Sou eu jovem descobrindo os anseios do corpo. Sou eu homem, inquieto olhando para a tela do computador e pensando terminar esta crônica.

E, mesmo ao terminá-la, embora o tempo das coisas vividas terá seu espaço no passado, o tempo da escrita destas mesmas coisas será sempre o agora…

        Quando a crônica acabar, um tempo – o tempo da escrita – se foi. No entanto, o tempo da leitura trará as mesmas lembranças de volta num só tempo.

*Texto originalmente publicado no livro Terra Brasilis.

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Campista Cabral

Campista Cabral, leitor assíduo dos portugueses Camões e Pessoa, do poetinha Vinícius, herdou deles o gosto pelo soneto. A condensação dos temas do cotidiano, assim como a reflexão sobre o fazer poético, parece procurar a sua existência empírica ou, nas palavras do poeta, um rosto perfeito, na estrutura do soneto. Admirador e também leitor obsessivo de Umberto Eco, Ítalo Calvino, José Cardoso Pires, Lobo Antunes, do mestre Machado de Assis e do moçambicano Mia Couto, retira dessas leituras o gosto pela metalinguagem, o prazer em trabalhar um espaço de discussão da criação literária em sua prosa. A palavra, a todo instante, é objeto base dos contos e das crônicas. A memória, o dia-a-dia, o amor, as sensações do mundo e os sentidos e significados da vida estão presos nos mistérios e assombros da palavra.

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