Crônicas

O BALÃO E O MENINO

Esta é a história de um menino. Não sei o seu nome. Entre tantos meninos que vivem nas ruas, embrulhados pela fumaça dos carros, continuam caminhando.

Um menino, um sonho e algumas palavras.

Esse menino sonhava com um balão, mas não um balão qualquer, um balão comum. Um balão que revelasse o tamanho do mundo, que mostrasse, do alto das nuvens, a paisagem perfeita. E tudo poderia ver e sentir e imaginar.

Um balão que levasse toda a tristeza embora.

Balão no céu, balão no ar. Céu azul, céu quase azul. Confundindo-se com o mar…

Sonhava o menino com fúria, com vontade e se achava solto no tempo, voando atrás do balão, atravessando o céu.

Grito estridente de um vendedor ambulante, buzinas ecoam… Com esforço e movimentos repetidos, o menino manobrava a carroça de papel para não ser atropelado. Tudo o que tinha era uma carroça que carregava todos os dias: papel, papelão, papelote. Assim era a vida. Muitos papéis. A vida inteira.

Uma senhora de expressão fechada e casaco marrom reclama com o policial.

Um carro passa.

Pessoas passam.

A vida passa.

O menino sonha com um balão, mas não um balão qualquer. Nunca o deixaria. O sonho era maior que tudo. Os outros meninos estavam ocupados com o cheiro ácido das colas e com as bolsas de couro das madames.

Ele não.

O gosto pelo balão se mostrava maior que suas próprias forças…

Carroça, mãos que apanham o papel sujo e amassado. Papel, papelote, papelão. Muitos papéis. Muitas palavras que não dava pra ler direito. Letras grandes e pequenas. Papel amassado. Rostos jovens e bonitos. Balão. Céu.

Vagava o menino.

Vagava.

Passava pelas ruas estreitas, pelas ladeiras, atrás de papel.

Passava pelas ruas estreitas, pelas ladeiras, atrás do balão. Queria-o tanto.

Seus olhos imaginavam já a terra dos sonhos, a terra do fogo, a terra luminosa dos raios de sol. Nunca tinha visto raios mais dourados. A terra de flores coloridas, montes verdes e céu azul. O balão subia, subia mais alto, mais alto… E mais… Longe estava, bem longe ia. Não percebeu o carro… O balão mais alto subia, mais e mais. Não viu o carro. O céu se tornou amarelo e depois vermelho, um vermelho intenso, o sangue brotava mais e mais.

As pessoas se aglomeraram ao redor do pequeno corpo…

No entanto, o balão continuava subindo, cada vez mais alto.

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Campista Cabral

Campista Cabral, leitor assíduo dos portugueses Camões e Pessoa, do poetinha Vinícius, herdou deles o gosto pelo soneto. A condensação dos temas do cotidiano, assim como a reflexão sobre o fazer poético, parece procurar a sua existência empírica ou, nas palavras do poeta, um rosto perfeito, na estrutura do soneto. Admirador e também leitor obsessivo de Umberto Eco, Ítalo Calvino, José Cardoso Pires, Lobo Antunes, do mestre Machado de Assis e do moçambicano Mia Couto, retira dessas leituras o gosto pela metalinguagem, o prazer em trabalhar um espaço de discussão da criação literária em sua prosa. A palavra, a todo instante, é objeto base dos contos e das crônicas. A memória, o dia-a-dia, o amor, as sensações do mundo e os sentidos e significados da vida estão presos nos mistérios e assombros da palavra.

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