Crônicas

PROVOCAÇÕES: Crônica das nuvens

Provocar algo. Provocar alguém. Provocar em alguém algo. Provocar algo em alguém. Simplesmente provocar.

Para mim, provocar é o instante em que as coisas, as coisas que de fato interessam, acontecem. Provocar o riso. Provocar a conversa. Provocar o namoro. Provocar o texto. Provocar o interesse!

Em uma de minhas aulas de redação provoquei a crônica. A bendita e amada e surrada e provocativa crônica. Escrevi no quadro: “cada nuvem no céu um poema, cada nuvem nos olhos um problema, cada nuvem na vida, uma situação que se encena…”

Falava sobre a crônica lírica. Na verdade, a poesia intrometida a besta dentro dos limites da prosa. Tudo culpa do Rubem Braga e do Paulo Mendes Campos! Poesia e prosa? Prosa poética, enfim…

Não sou conhecedor de passarinhos e não transito em Copacabana. Rubem e Paulo, eu não daria conta. Por esta razão, falei de nuvens.

Primeiro os alunos estranharam. Nuvem! Nuvem? Alguém que sonha. Alguém que bebeu demais. Alguém que não está muito bem da cabeça. Nuvem e gente. Que coisa mais sem sentido!

Mas.

Havia sentido. Pelo menos é o que os professores dizem. Havia um significado naquela desassombrada nuvem. Desarvorada. Provocante nuvem.

Dos lábios dos jovens saíram as metáforas da vida: amor, desejo, conflitos, saudades, descobertas…

Dos lábios dos jovens saíram mais e outras tantas metáforas e rimas e sinfonias inteiras de nuvens. Nuvem gorda de chuva. Nuvem franzina, de passagem. Nuvem branquinha qual algodão. Nuvem escura e pesada qual premonição. Nuvens adolescentes, cheias de atitude, mas também de compaixão. Nuvens risonhas. Nuvens tristonhas.

E cada vez que ouvia e lia mais e mais palavras, o teto da sala se abria e o céu ali ficava. Cheinho de nuvens-crônicas. As nuvens? Elas, também, cheinhas… Cheinhas de mistério, de encantamento, de absorção.

E assim, uma aula se encerrou…

E assim, várias crônicas nasceram…

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Campista Cabral

Campista Cabral, leitor assíduo dos portugueses Camões e Pessoa, do poetinha Vinícius, herdou deles o gosto pelo soneto. A condensação dos temas do cotidiano, assim como a reflexão sobre o fazer poético, parece procurar a sua existência empírica ou, nas palavras do poeta, um rosto perfeito, na estrutura do soneto. Admirador e também leitor obsessivo de Umberto Eco, Ítalo Calvino, José Cardoso Pires, Lobo Antunes, do mestre Machado de Assis e do moçambicano Mia Couto, retira dessas leituras o gosto pela metalinguagem, o prazer em trabalhar um espaço de discussão da criação literária em sua prosa. A palavra, a todo instante, é objeto base dos contos e das crônicas. A memória, o dia-a-dia, o amor, as sensações do mundo e os sentidos e significados da vida estão presos nos mistérios e assombros da palavra.

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