Contos Eróticos

Só um pouquinho

Dona Glória acabara de comemorar seus 70 anos e, como presente, ganhou um gesso no braço. Uma queda boba, o tapete fora do lugar, o piso encerado e ela se estabacou no chão. No instinto, colocou a mão na frente e o braço segurou o peso de todo o corpo. Que não era muito, pois Glória se cuidava e mantinha a silhueta em dia. Mas também não era pouco.

Dois meses depois do incidente, ela finalmente tirou aquele incômodo e a primeira reação foi coçar a parte esbranquiçada da pele. Mantinha uma cor bronzeada, fruto da proximidade da praia, e aquele pedaço de braço cor de isopor lhe assustou. Era como se voltasse no tempo e a visse criança, chegando ao Rio, junto com os pais italianos. Era tão branca que se destacava sempre quando se misturava com outras crianças.

— Sua recuperação foi muito boa, Dona Glória! Mas, como o braço ficou muito tempo imóvel, vou recomendar uma fisioterapia. Algumas sessões e a senhora vai ficar como nova!

Mais essa, agora! Ela não queria ficar como nova, queria apenas poder se coçar e tomar sol.

— Tem certeza que preciso disso?

— Claro. Depois de certa idade a musculatura atrofia e os ossos já não se recuperam da mesma forma. A fisioterapia vai fortalecer tudo.

Depois de certa idade… Será que todo mundo tem uma idade que marca o começo do fim? Qual seria a dela?

— Posso fazer em casa? Não tenho saído muito e prefiro o conforto do meu cantinho.

O que ela queria mesmo era escapar do controle do médico.

— Tenho alguns profissionais que atendem em domicílio sim. Vou te passar os contatos e a senhora escolhe o melhor.

Nomes e telefones em mãos, Dona Glória voltou feliz da vida para sua casinha. Realmente achava que todo aquele cuidado era um exagero e deixou de lado a história do fisioterapeuta. Era uma mulher saudável, independente, ia se virar muito bem sozinha.

Mas já nos primeiros dias, viu que não seria bem assim. O braço não correspondia ao comando, o ombro doía, os armários pareciam mais altos, a mesa mais longe, as cadeiras mais pesadas. Tudo que fazia, doía. Acabou se rendendo. Pegou de volta o papelzinho no fundo da bolsa e resolveu ligar para o primeiro nome da lista. Wagner.

— Boa tarde Wagner, tudo bem? Aqui quem fala é Glória, quem me deu seu contato foi o Dr. Paulo. Você atende em casa?

— Boa tarde Dona Glória, atendo sim.

— Você pode vir amanhã? Estou com muita dor.

— Posso sim. Pode ser depois do almoço, às 14 horas?

— Marcado. Anota o meu endereço.

Glória acreditava em intuição e gostou do jeito de Wagner. Uma voz mansa, grave, como um locutor de rádio de antigamente. Deveria ser um belo homem. Tomara que sim.

Não que ela estivesse interessada em algo mais que a fisioterapia. Viúva há 20 anos, desde então não se interessara por mais ninguém. Se distraía com as amigas, entre mesas de bar e excursões para Caldas Novas. Elas também se reuniam todas as quartas para jogar buraco, organizavam o bazar da igreja, iam às estreias de filmes, peças de teatro, aulas de dança e tudo mais que o dinheiro desse e o quadril aguentasse. Eram conhecidas como as “Velinhas da Van”: Para todo lugar que queriam ir, alugavam a van do conhecido Seu Joaquim e chegavam seguras, festivas e aprumadas. Com isso, o tempo passava e ela se esquecia da saudade do marido e a distância dos filhos e netos, que sempre tinham algo mais interessante para fazer do que visitá-la.

Às 14 horas em ponto Wagner batia na porta. Glória olhou pelo olho mágico e gostou do que viu: um homem alto, forte, com rosto suave e mãos fortes. Se ajeitou e abriu a porta com seu melhor sorriso:

— Bem-vindo, Wagner. Muito trabalho te espera!

Ele sorriu de volta e começou a se ambientar com a casa. Perguntou o que tinha acontecido, onde era a dor, tirou alguns aparatos e começou a sessão.

O primeiro contato das mãos de Wagner no braço esquerdo de Glória causou-lhe um arrepio forte até o fim da coluna. Ela tinha se esquecido daquele pedacinho chamado cóccix que ligava as costas às partes mais íntimas e tremeu. Ele pegava de maneira firme, fazia movimentos vigorosos e tudo parecia voltar para o lugar como um milagre. Depois de 40 minutos, Glória, radiante com as novas emoções e já se sentindo um pouco mais ágil, resolveu fazer um café para os dois.

— Adoçante ou açúcar?

— Puro mesmo.

Café de macho. Começaram uma conversa amigável, levada pelo aroma quente da bebida. Ela descobriu que Wagner era o primogênito de seis irmãos, filho de uma empregada doméstica e um motorista de ônibus. Tinha 28 anos, cursou Fisioterapia para ajudar a avó que sofrera um acidente em casa – uma bobagem, mas que ainda limitava os seus movimentos – e conseguiu uma bolsa através do FIES. Ela se limitou a falar que era viúva. Tinha medo de dar muitos detalhes. Achava sempre que podia ser sequestrada ou roubada. E ele teria acesso a ela e a casa, melhor prevenir.

Marcaram mais sete sessões, duas por semana, sempre depois do almoço. Glória pagou as dois primeiras e disse que ficariam assim.

— Até sexta!

Um sentimento novo tomou conta de Glória. Era como se sentisse de novo o seu corpo, que lhe servia apenas para levá-la da praia para casa e de lá para os encontros com as amigas. Colocou uma música no antigo aparelho de som, empoeirado de tão esquecido e se viu dançando pela sala. Feliz.

As sessões se sucederam com verdadeiro sucesso. Glória não só já fazia todos os movimentos com o braço, como achava mesmo que todo o corpo se movimentava melhor. Já tinha contado toda a sua vida para Wagner, que também era devoto de Nossa Senhora e achou uma beleza ela se chamar Glória por ter nascido no dia 15 de agosto, dia de festa para Nossa Senhora da Glória. Depois das sessões, ela, feliz, mas sozinha, sempre arriscava uns passos de dança e começou a sentir falta de dançar com alguém. Será que Wagner lhe acompanharia em uma dança?

No dia da última sessão ela preparou uma surpresa: comprou um presente para Wagner em agradecimento a sua dedicação e toda alegria de viver que tinha invadido a sua vida. Queria um pretexto para lhe convidar para dançar e acreditava que o presente e o fim das sessões seriam motivos suficientes.

Depois do último exercício finalizado, ela tomou coragem. Pegou o embrulho como uma adolescente apaixonada. Sentia o rosto queimar.

— Comprei para você. Sei que vai lhe ajudar muito.

— Não precisava Dona Glória, imagina.

Era um massageador elétrico, último modelo. Ele tinha comentado que um daqueles iria lhe abrir outras portas e resolveu dar um empurrãozinho. Wagner ficou contentíssimo, nem sabia como agradecer.

— Eu tenho uma ideia, Wagner. Você me acompanha em uma dança?

— Será um prazer, Dona Glória.

— Glória. Me chama de Glória.

Ela colocou um disco antigo de bolero e se deixou levar pelos braços de Wagner. Ele não sabia exatamente como se dançava um bolero, mas aquilo era o que menos importava. Os corpos unidos era só o que Glória precisava. Existia nela ainda um furor de mocidade e o contato doce daquela fartura toda fazia seu coração acelerar e o seu ventre acordava de um longo período de total esquecimento. Ela queria mais.

Mas a música parou e Wagner se desvencilhou gentilmente de Glória dizendo que precisava ir.

— Foi um prazer Dona Glória. Precisando de qualquer coisa, pode me ligar.

E Glória precisava muito, de muito mais. Mas como impedir que ele sumisse de sua vida para sempre? Inventar novas dores, quebrar o outro braço? Não podia se dar ao luxo de quebrar mais nada, não suportaria mais dois meses de gesso e incômodos. Precisava de uma desculpa muito bem elaborada. Sabia que ele precisava de dinheiro, precisava ajudar em casa. Resolveu ligar para uma amiga, a mais esperta.

— Sarah precisa que me ajude a pensar em uma desculpa.

— Ele… O que foi?

Glória contou toda a sua saga para Sarah, judia tradicional que frequentava as melhores rodas do Leblon. Esperta, negociante nata, ela foi certeira:

— Ele precisa de dinheiro e nós, de distração. Que tal pagar para ele dançar com nossas amigas?

— Será, Sarah? Não poderia parecer uma certa prostituição?

— Ele não vai fazer sexo, só vai dançar. Por favor, Glória, nessa idade não precisamos ter tanto pudor!

A ideia não era ruim. Glória sabia que todas as suas amigas sentiam falta de um parceiro de dança e Wagner era um pedaço de mau caminho. Elas iriam adorar a novidade e todas podiam pagar, sem dúvida. Mas, quanto ele iria cobrar? Resolveu parar de pensar e agir.

— Bom dia Wagner, tudo bem? É Glória.

— Bom dia Dona Glória. Está tudo bem?

— Tudo ótimo querido. Você não vai acreditar. Conversei com algumas amigas sobre a nossa dança e como você foi gentil comigo. Elas ficaram morrendo de inveja.

— Imagina Dona Glória. Nem danço tão bem assim.

— Não seja modesto, rapaz. Me senti uma Ginger Rogers! E sabe o que elas me pediram?

— Não tenho a menor ideia!

Gloria tentava colocar toda a culpa nas amigas.

— Elas querem que você dance com elas! Claro, vamos pagar para isso.

Wagner ficou calado por um tempo. Achou tudo muito estranho, mas precisava de dinheiro. E o que poderia ser mais inocente em fazer meia dúzia de senhoras felizes?

— Confesso que estou meio surpreso com a oferta…

Glória se sentia um cafetão.

— Mas também confesso que realmente estou precisando de uns extras.

Aliviada, Glória resolveu encerrar o assunto e marcar:

— Perfeito. Amanhã às 8?

— Marcado.

Glória desligou o telefone se sentindo uma devassa. Era como se marcasse um encontro com um garoto de programa, sentia a adrenalina tomar conta de suas emoções. Agora era convencer as amigas a ir até a sua casa e dançar com Wagner. Não seria problema. Sexta à noite normalmente ninguém tinha programa e o fato de sair de casa já era um acontecimento.

Os preparativos começaram logo cedo. Glória arrumava a casa como uma criança que espera o Natal. Pensou em tudo: separou os discos, dividiu entre as amigas os comes e bebes, ajeitou o espaço para todas se sentarem e, também dançarem. Tinha uma sala espaçosa e precisou apenas rearrumar alguns móveis para que os novos passos coubessem no local.

A noite chegou e Glória parecia uma debutante. Na excitação, não nos costumes. Colocou seu vestido vermelho, se perfumou como se fosse pecar e arranjou uma rosa vermelha para o cabelo. Se sentia uma cigana. Só faltava rodopiar com seu par, que acabava de tocar a campainha:

— Chegou cedo, Wagner!

— Achei melhor me antecipar. Quero saber como vai funcionar a hora dançante… Rs…

— Bem, você dança com cada uma de nós pelo menos duas músicas, pode ser?

Ele fez os cálculos de tempo: duas músicas, máximo 5 minutos cada música, 10 senhoras… Não ficaria nem duas horas por lá. Para receber uma boa grana, estava ótimo.

— Perfeito, Dona Glória. E o pagamento é antes ou depois?

— Posso te pagar agora!

Tudo acordado, as amigas de Glória foram chegando aos pares, cada uma mais perfumada e arrumada do que a outra. A sala começou a ficar impregnada de sândalos e almíscares e Wagner já estava meio tonto, pois cada uma delas fez questão de cumprimentá-lo de maneira, no mínimo, efusiva. Sarah foi a que mais se demorou nos braços do rapaz:

— Glória, esse homem é um escândalo! Vai ser difícil segurar as meninas.

De fato, as “meninas” estavam como abelhas no mel. Sorriam, mexiam nos cabelos, destacavam os decotes. Não saíam de perto de Wagner e já se enfileiravam para começarem as danças. Glória resolveu dar início a festa e colocou uma valsa. Achava chique.

— Valsa, Glória? Não tem nada mais moderno?

— Moderno? Desde quando somos modernas?

E lá se foram as primeiras danças, com Wagner se esmerando nos rodopios e as amigas de Glória se sentindo adolescentes virgens sendo conduzidas pelo pretendente. Algumas soltavam pequenos gritinhos de prazer, outras apenas se ajeitavam para sentir os músculos – todos – de Wagner e outras estavam tão excitadas que o corpo parecia desobedecer. Viúvas há anos, todas já não sabiam mais o que era sentir prazer. E o que seria apenas 2 horas de dança inocente, se tornou uma grande festa, com Wagner se desdobrando para atender a todas em passos ousados e singelos amassos.

Na outra semana, Glória resolveu se modernizar. Pediu ajuda para a neta, que apareceu uma tarde para pegar um casaco de pele emprestada. Quase não a reconheceu, estava com o cabelo roxo.

— Isso é moda?

— Super, vó! Quer que eu pinte o seu?

— Deus me livre! Do que você precisa?

— Você ainda tem aquele casaco de pele luuuuxooo?

— Claro que eu tenho… Mas não sabia que ainda se usava isso! Não é antiecológico?

— Que é, é. Mas é chique, né vó?

— Isso é verdade. Tenho uma ideia! Que tal fazermos um trato?

— Que trato, Dona Glória?

— Eu te dou o casaco – só não conta para a sua mãe, ela é doida por ele! – e você me ensina a mexer no celular.

— Feito!

Em uma hora, Glória se tornou uma expert da telinha e ainda aproveitou para lanchar com a neta e colocar a conversa em dia. Ficou sabendo das últimas fofocas, dos namoros, começos e fins, do tal “ficar” e do relacionamento aberto. Achou tudo moderno demais para ela, mas se despediu da neta pedindo que ela voltasse mais, não só para pegar peças emprestadas. E, de preferência, com os cabelos castanhos mesmo. Depois que ela se foi, Glória se ateve ao seu novo brinquedinho. Estava agora em outro patamar, muito além do bom dia e figurinhas com flores no whatsapp. Baixou um aplicativo de música e não se fez de rogada. Começou a organizar playlists como uma DJ da terceira idade. Relembrou sucessos da sua época, descobriu novos cantores e fez uma playlist de tirar o fôlego: foi de Luis Miguel a Carlos Rivera, Michael Bublé e Lucho Gatica. Ok, Lucho Gatica não era exatamente uma novidade, mas ainda fazia Glória suspirar. Lembrou-se de um jantar dançante que foi com o marido no Chile. Lucho cantava por entre os casais que deslizavam na pista e Glória tentava disfarçava o olhar e o rubor que aquele homem sedutor lhe causava ao som de “La Barca”. Sabia a letra de cor e salteado e cantava baixinho, como se fosse para ele.

À noite, na cama, com o marido já dormindo, se masturbou querendo ser de Lucho. Foi a única traição cometida em 30 anos de casamento.

Sexta feira chegou novamente e Glória, como sempre, eufórica. Com aquela seleção de músicas mais calientes, ninguém mais iria chamá-la de antiquada. Se sentia muito ousada, para falar a verdade. As meninas chegaram ainda mais cedo, todas vindas do salão de beleza. Impecáveis. Não se via um esmalte descascado, uma raiz de cabelo por fazer, um batom fora dos lábios. Os vestidos eram novos, sem dúvida. Ou estavam esperando por uma data especial. Brilhantes, ousados, sedentos por novidades. A sala parecia um clube na sua hora mais feliz: a dançante. O ano poderia ser 1960. Todas estavam à espera de um grande amor. Ainda guardavam a inocência e tinham aquela ilusão boba que nos permite acreditar. O que seria de nós sem ela?

Wagner também surgiu mais bem arrumado. Seu perfume invadiu a sala e o frenesi que a sua presença causava podia ser sentido pelas cadelas no cio de toda a vizinhança. As mulheres já não mais se enfileiravam, mas se sobrepunham, uma a uma, sobre Wagner. Mal uma dança terminava, outra começava com o novo par. Eles ensaiaram paços de tango, se requebraram em boleros e se extasiaram a cada passo dado de maneira mais próxima. Ou faziam acontecer esse roçar que encorajava o próximo ato.

Glória, como dona da casa, acabava ficando por último, pois estava sempre às voltas com as bebidas e salgadinhos que as amigas levavam. A maioria sobrava, pois todas as bocas estavam preocupadas em sussurrar gracinhas para Wagner. Aquilo já estava deixando Glória louca. Ela se mordia de ciúmes, queria tirar uma por uma dali. Enquanto isso, o rapaz tentava levar as investidas daquelas senhoras de maneira educada e, invariavelmente, tirava uma ou outra mão mais atrevida do seu peito. Ou de partes, digamos, mais baixas. Lembrava-se do pagamento e sorria para disfarçar o inconveniente.

Com isso, Glória sempre dançava com um Wagner já exausto. Duas horas de dança ininterrupta era uma maratona. E ainda tinha o jogo de cintura, o maxilar fixo, a concentração para nada sair do combinado. Em uma dessas noites, depois de todas as amigas de Glória já terem ido embora – todas tinham medo de chegar em casa muito tarde – Wagner simplesmente se deixou cair no sofá. Recostou-se e cochilou. Estava exausto. Começava o dia muito cedo, entre atendimentos em domicílio, clínicas, ônibus e trens. Se sentiu em casa e dormiu.

Glória voltava da cozinha com duas taças de vinho para terminaram a noite, ainda falando algo sobre o assanhamento de Sarah:

— Você reparou como ela dança? Parece que nunca viu homem na vida, Wagner. Você não deveria deixar ela ficar tão perto de você assim…

Claro que aquilo era puro ciúmes. Glória já estava perdendo a compostura e se arrependendo de ter começado aquela história. Queria Wagner só para ela. Mas como?

Quando chegou na sala, ainda retrucando, deu de cara com aquele deus no seu sofá. Baixou o tom de voz, pegou uma mantinha para cobri-lo e ficou ao seu lado, como em vigília. Ele nem roncava, veja bem! Parecia um gatinho, só ronronava. Chegou um pouco mais perto para sentir o seu perfume e foi descendo o rosto para o peito de Wagner. Seu coração acelerava ao mesmo tempo que seu rosto se aproximava daquele corpo. Queria lhe arrancar a roupa, lamber seu peito, fazer loucuras que ela só tinha visto em filmes.

De repente, Wagner se mexeu e Glória se assustou. Ele abriu os olhos e a encarou:

— O que a senhora está fazendo?

— Descoberta como uma contraventora, Glória perdeu a voz. O que ela estava fazendo?

— Euuuu…quer dizer…é que…

— A senhora estava me cheirando?

— Imagina, Wagner! Você me respeite! – Disse, unindo toda a moral que se esvaía. Estava apenas ajeitando a manta!

Ele se levantou indignado, pegou seu casaco e disse:

— Acho que a senhora passou dos limites, Dona Glória. Não sou um prostituto.

Ela tremia:

— Meu Jesus, é claro que não. Não estava fazendo nada, Wagner, eu juro!

— Me desculpe, Dona Glória, mas não volto mais aqui.

E se foi, com toda a sua dignidade e dúvida. Muitas dúvidas.

Glória chorou. Como uma menina abandonada pelo primeiro amor. Colocou Lucho na vitrola e chorou ainda mais. Ouviu Lucho até adormecer. Não queria acordar.

Mas o dia raiou e invadiu a janela. Invadiu o quarto e iluminou o rosto de Glória. Era preciso acordar. Seu rosto, inchado pelo desespero, parecia derreter. Precisava reconquistar Wagner, precisava que ele voltasse. Precisava.

Dessa vez não quis falar com Sarah ou nenhuma outra amiga. Queria Wagner só para ela. Pensou em lhe pedir desculpas, pedir que ele reconsiderasse. Oferecer mais dinheiro, pedir aulas particulares. Qualquer coisa que fizesse com que ele entrasse novamente pela porta da sua casa e fizesse as cadelas do bairro estremecerem.

Resolveu esperar alguns dias, deixar a poeira baixar. A raiva nunca é boa conselheira. Na outra sexta feira, dia em que ele normalmente estaria de volta, resolveu ligar. Não sem antes avisar a todas as amigas que Wagner não daria mais aulas de dança. Inventou uma doença na família, ouvia uma dezena de lamentações e suspirou aliviada. Agora vinha a segunda parte: tomou coragem e ligou para Wagner. Ele atendeu, o que já era um bom sinal:

— Boa tarde, Dona Glória.

— Boa tarde, Wagner, que bom que você me atendeu.

— Não tenho mágoas da senhora.

— Ótimo. Gostaria de me desculpar se lhe passei uma impressão errada. Não gostaria que nossa amizade terminasse assim.

— Fica tranqüila, Dona Glória. Acho que exagerei um pouco também.

Glória respirou, aliviada.

— Que bom, meu querido. Você não quer vir aqui hoje, para conversarmos? Sem as meninas, claro…

Wagner parou um pouco para pensar. Será que ela poderia tentar algo mais?

— Prometo que será apenas uma conversa. Mas se quiser dançar…

Cedeu.

— Irei sim, Dona Glória. As oito mesmo?

Em ponto.

Glória desligou o telefone com um sorriso maroto. Tinha jogado a isca e seu peixão tinha fisgado. Agora era com ela.

Fez uma outra playlist, mais lenta e sensual. Estava craque em escolher e listar músicas. Comprou velas e alguns petiscos. Deixou o melhor vinho na geladeira, só para resfriar levemente. Decidiu comprar uma lingerie. Queria algo sexy, rendado, de puta, como sua mãe dizia. Nada bege, grande, feito para esconder a barriguinha ou amassar os seios. Vermelho sangue. Vermelho paixão. Parecia endiabrada, com um fogo lhe consumindo por dentro. Como no dia que gozou para Lucho Gatica.

Wagner chegou pontualmente às 20 horas. Glória já tinha bebido um pouco, para relaxar. Abriu a porta com um sorriso encantador. Seus olhos verdes flamejavam:

— Bem-vindo, querido!

— Boa noite Dona Glória.

— Glória, Wagner. Só Glória.

— Para que tantas velas?

— Gostou?

— Sim, ficaram ótimas.

— Li em algum lugar que elas dão um tom calmo ao ambiente. Resolvi experimentar.

— Fez bem.

Se sentia ardilosa.

Eles se sentaram no sofá. Ela serviu o vinho. Eles se olharam ao brindar. La Barca começou a tocar.

— Dança comigo, Wagner?

— Claro, Do…Glória.

Eles se encaixaram no ritmo da dança e Glória pôde sentir novamente aquele cheiro que lhe acompanhava em sonhos. Em delírios. Seu rosto se afundou no ombro de Wagner que escorregou as mãos pelas costas de Glória e sentiu também seu perfume. Era elegante, nada muito doce. Tocante. A música envolvia o ambiente e, à luz de velas, as diferenças desapareciam. Eles eram apenas um homem e uma mulher. Dançando.

Glória se afastou um pouco para olhar o rosto de Wagner e se aproximou de seus lábios. Ele disse algo que ela não entendeu, ela chegou mais perto e ele não se afastou. Os lábios se tocaram, a princípio tímidos. As línguas se permitiram e as bocas se devoraram. Wagner e Glória pareciam febris, sem entender toda aquela volúpia. Na sala, no mesmo sofá que haviam se desentendido há uma semana, os dois se permitiram.

Glória desabotoou a camisa de Wagner e lambeu o seu peito, com uma luxuria pecaminosa.

Ela tinha um belo corpo e Wagner começou a explorá-lo, doce e gentilmente. Com pequenas mordidas e beijos sufocantes, seus corpos foram se encontrando em um ritmo que não estava na playlist. Nem nos mais insanos sonhos de ambos.

Quando Glória aproximou sua mão do membro de Wagner, levou um susto. Era mulher de um homem só e não imaginava que aquilo poderia vir em tamanhos tão diversos. Sentiu medo. Será que, depois de tanto tempo, conseguiria dar conta de tanto? Tomou coragem e pediu:

— Põe. Mas só um pouquinho!

Wagner sorriu. Desceu sua boca até o sexo de Glória, que nunca havia recebido tanta atenção. Tinha vergonha, tinha culpa, achava sujo. Mas tudo desapareceu quando sentiu aquela língua quente. Suas pernas se abriram e suas coxas se molharam. Wagner se fartou e levou todo o gosto de Glória de novo até sua boca. Se lambuzaram até com o pouquinho, que Wagner colocou e tirou até Glória gozar aos prantos.

Se bastaram. Dançaram. E, de pouquinho em pouquinho, se amaram.

Imagina quando Sarah souber!


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Carol Meyer

Carol Meyer - Curiosa e apaixonada pela arte da escrita, a autora do livro "Ave Marias", obra premiada no concurso Bunkyo de literatura. Também é uma apreciadora pelas delicadezas do cotidiano, uma ouvinte atenta, "colecionadora de pessoas e casos." Divirta-se!

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