Falou e Disse

A ambiguidade é inimiga da clareza

Ambiguidade é a duplicidade de sentido. Ela pode se constituir num bom recurso expressivo, mas deve ser evitada quando compromete a clareza do texto. São ambíguos enunciados do tipo:

— “Vivemos numa sociedade cuja aparência é mais importante do que a essência.” (o uso de “cujo” no lugar de “em que” dá a entender que a aparência da sociedade é mais importante do que sua essência, e não que na sociedade atual a aparência importa mais do que a essência);  

— “A maioria das redes e blogs dá apenas uma visão parcial do indivíduo que publica.” (não está claro se quem publica é o indivíduo ou a maioria das redes);

— “Um grupo de assaltantes rendeu elevou o carro de uma família.” (parece que o grupo rendeu o carro antes de levá-lo!!).

Um dos fatores que levam à ambiguidade é a má ordenação das palavras. Quando o período não está na ordem direta, pode haver margem para mais de uma interpretação. Por exemplo: “Encontrou o diretor o secretário na sala de reuniões”. Não se sabe quem encontrou quem.  Na ordem direta, em que o sujeito aparece antes do complemento, desfaz-se o equívoco: “O diretor encontrou o secretário na reunião.” Outra forma de distinguir sujeito e objeto é antepor uma preposição a este último: “Encontrou o diretor ao secretário na sala de reuniões”. 

Deslocar o atributo oracional para longe do termo que ele modifica pode tornar ambígua a frase: “Refiro-me a um conflito no meu namoro, que ocorreu há oito anos”. O que aconteceu há oito anos – o conflito ou o namoro? Como a referência temporal diz respeito ao conflito, o melhor para a clareza é deslocar a oração adjetiva: “Refiro-me a um conflito que ocorreu há oito anos no meu namoro”.

A separação entre componentes de uma mesma função sintática também pode gerar ambiguidade. Exemplo: “As pessoas que gostam de saber das novidades procuram a internete até mesmo as grandes empresas, para vender seus produtos.” O aluno dá a entender que apenas “pessoas” é sujeito do verbo procurar, e que “internet” e “grandes empresas” são objetos diretos. A frase fica sem sentido, pois o propósito do autor era afirmar que tanto as pessoas quanto as empresas procuram a rede. Ele traduziria claramente essa ideia se tivesse mantido coordenados os sujeitos: “As pessoas que gostam de saber das novidades e até mesmo as grandes empresas procuram a internet para vender seus produtos.”

No plano semântico, é comum haver ambiguidade devido à polissemia. A diversidade de sentidos de uma mesma palavra pode levar a que se diga o que não se queria dizer. Em redação sobre a atual crise da Igreja, outro aluno escreveu: “Hoje, por força das circunstâncias, a Igreja admite a pedofilia em alguns de seus membros”.

Entre os significados de “admitir”, está o de “reconhecer” (“Ele admite seu erro”); o redator quis dizer que a Igreja, forçada pelas circunstâncias, reconhece que há pedófilos entre seus membros. Não lhe ocorreu que esse verbo tem também o sentido de “aceitar”, “permitir”, o que poderia levar a um julgamento negativo da instituição religiosa.

www.chicoviana.com


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Chico Viana

Chico Viana é professor aposentado da UFPB e doutor em Teoria da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou artigos em periódicos nacionais e internacionais, como a revista da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística (Anpoll) e a da Associação Brasileira de Estudos Medievais (Abrem). Publicou “O evangelho da podridão: culpa e melancolia em Augusto dos Anjos” e outros títulos à venda na Amazon. Atualmente dá aulas virtuais de Português e Redação no curso que leva o seu nome. Entre seus blogues, destacam-se chviana.blogspot.com e chicoviananapontadolapis.blogspot.com.

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