Crônicas Cariocas

  • A falta da falta!

    Qual é o tamanho de seu universo, onde se encontram os que você se relaciona e mantém a memória de seus antepassados.

    Ele cabe em sua gaiola mental que demonstra a frágil tentação em imaginar uma possibilidade de liberdade. Por vezes, nos faz ter medo em avançar para novos rumos, mas que durante o caminho em verdade voz digo, a única coisa que devemos temer é o próprio medo. Assim surgem expressões no rosto como símbolo de uma trajetória, e como o tempo é o tecido de nossas vidas, o desenho em sua face demostra a diferença entre a experiência e a vivência.

    A experiência é aquele momento em que você compartilha através de uma história bem contada e que deseja que outros saibam os detalhes que lhe marcaram.

    A vivência é nossa existência que acontece todos os dias no mesmo instante que respiramos para nos manter ainda por aqui.

    A psicanalista Maria Rita Kehl em seu livro “O Cão e o Tempo”, escreve para nós leigos no pensar, que aquilo que abate o depressivo é a falta da falta, podendo ser entendida pela inexistência do que fazer, ou uma vida vazia, que não foi preenchida com alguma atividade útil e prazerosa.

    A poeta Anne Sexton confirmou isso quando escreveu que suas sessões de psicanálise estavam servindo para ocupar seu vazio de mulher “selvagemente só”. Ela é uma das mais expressivas escritoras dos EUA, e sua estreia no Brasil se dá num momento em que proliferam obras de qualidade sobre a relação dos escritores com a saúde mental.

    Rosa Montero escritora espanhola publicou “O Perigo de estar lúcida” onde descreve a ligação entre a criatividade e aquilo que chama de loucura, e que também se inclui nessa mesma cesta de neuroses, descritas nesse pensar sobre o funcionamento da mente dos artistas.

    Outros autores se dedicam a falar sobre suas demências, como o francês Emmanuel Carrére em seus livro “Ioga” escrito na temporada que o autor se retirou em uma instituição psiquiátrica.

    Assim como os segredos que se espalham em segredo, o livro “O que eu gostaria que as pessoas soubessem sobre demência” não é uma tese com estatística para comprovação, é a pura experiência de vida da escritora americana Esmé Wang.

    Como tantos outros escritores especiais, lembrei de um muito espirituoso que nos deixou um recado importante:

    “Embora ninguém possa voltar e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora, e fazer um novo fim”. (Francisco Cândido Xavier)


  • Ulisses

    Silas e Douglas eram escritores iniciantes. Assistindo a uma conferência num evento literário, ouviram do palestrante que dois importantes autores portugueses haviam decidido escrever um livro juntos: o primeiro redigia um trecho, o outro continuava a história. Silas e Douglas resolveram reproduzir essa ideia. O resultado da experiência pode ser conferido a seguir:

    “Ulisses jamais foi visto na companhia de outras pessoas. Nunca cumprimentava os vizinhos, não tinha amigos, parentes nem animais de estimação. Também não tinha emprego. As pessoas comentavam que vivia de herança. Morava na última casa da vila fazia pelo menos quarenta anos. Dona Mirtes, atualmente com 90 anos de idade, era a única moradora do lugar mais antiga do que ele. Quando uma loja de roupas femininas foi inaugurada nas redondezas, Ulisses passou a postar-se diante das vitrines por horas, queria examinar cada detalhe das roupas expostas. Se alguma vendedora vinha ao seu encontro oferecendo ajuda, ele a repelia com um gesto rude”.

    O pessoal da loja até chegou a chamar a polícia. Só que Ulisses não estava cometendo crime algum, e nada pôde ser feito contra ele. Esse doido espanta os fregueses, alegou a gerente. Em vão. Um dia, Ulisses passou a fotografar os modelos. Um mês depois, na véspera do dia de finados, rendeu as vendedoras com uma faca e exigiu que elas o deixassem entrar na vitrine. Lá dentro, começou a estrangular um manequim de cabelos ruivos vestido com um longo vermelho. Jogou o manequim no chão e pisou em cima dele com decisão ao mesmo tempo que gritava: ‘Não aceito pessoas falsas! Pessoas falsas não merecem viver! Abaixo os simulacros!’ Nesse dia, Ulisses finalmente acabou preso.”


Botão Voltar ao topo

Adblock detectado

Desative para continuar