Crônicas

  • Os signos da crítica

    Costumo ler em voz alta quando estou em casa. Peguei esse hábito da minha mãe, que todo sábado à tarde distribuía na mesa da sala uma penca de cadernos e livros para corrigir trabalhos, ler e reler textos, planejar as aulas da semana seguinte, tudo em alto e bom tom. Uma resma de folhas em branco e o mimeógrafo aguardavam na estante, ali ao lado. Eu podia destruir a casa desde que não relasse naquela mesa.

    Trinta anos depois, não temos um mimeógrafo e nem uma resma de papel por perto, mas mantenho a cultura familiar da leitura em voz alta que, por acaso, tem dado o que falar. Lia há alguns dias uma crítica literária no sofá enquanto minha esposa fuçava numa das gavetas da cômoda. Em algum ponto da argumentação, ela parou para ouvir, prestando uma atenção quase intimidatória; fiquei inclusive receoso com possíveis tropeços ou gaguejos. Quando cheguei ao fim do texto, ela me perguntou quem era o autor e, logo após a resposta, completou: — É taurino. Encerrou o papo saindo para a cozinha. Dois ou três dias depois, em outra leitura, veio a sentença: — É aquariano. Novamente, assunto encerrado sem mais delongas

    Aquilo não fazia sentido. Sugerir o signo do crítico a partir de uma opinião era bobagem, além disso, desmentia a independência intelectual, reduzia as perspectivas, presumia o futuro, mapeava as questões fundamentais da vida. Impossível, apenas impossível.

    Com certa malícia, busquei, sem ela saber a data de nascimento do crítico alvo do último palpite e, para minha surpresa, estava certa. Sorte de principiante, óbvio. Nada mais que isso. Provaria com facilidade se tratar de um chute bem dado e jamais voltaria a refletir sobre o assunto. Naturalmente, não revelei o acerto para não criar uma polêmica conjugal.

    Passei então a ler textos sortidos de diferentes críticos, querendo pôr à prova essa tal sabedoria mística. Tudo iria se mostrar uma baita coincidência, uma eventualidade, afinal, as questões do Zodíaco são achismos, todos sabemos disso. Mas, como em tudo na vida, há quem diga o contrário — uns românticos, alienados. O estranho é que desde então são seis críticos e nenhum erro.

    Wilson Martins foi decretado pisciano trinta segundos após o fim da leitura, mesmo signo de Otto Maria Carpeaux, decifrado sem hesitações. Álvaro Lins foi revelado sagitariano antes do ponto final, faltavam ainda uns dois ou três parágrafos. O aquariano Augusto Meyer também não demorou a ser descoberto, tampouco o leonino Antonio Cândido. Harold Bloom, por fim, não teve chances porque tinha o mesmo signo da Senhora Leidens.

    Eu não sei se há alguma relação esotérica entre as opiniões e os signos dos críticos. O fato é que agora leio crítica literária aguardando ansioso a sentença do outro lado da sala. Talvez ela esteja trapaceando e tenha até buscado os aniversários dos autores perfilados na estante, talvez eu deva esquecer o assunto antes que me contamine. Por certo, não ficaria bem como um jovem místico tardio, ou como um tardio jovem místico, como queiram. Visto melhor o cinismo com calça jeans e tênis.

    Não quero suprimir as opiniões das pessoas, também não quero tabelá-las com base em gnoses obscuras, mas, como uma experiência sociológico-literária, sugiro ao amigo leitor que balize minha dúvida e participe de um experimento científico de descomprovação: se quiseres, me encaminha tua opinião sobre este texto, seguida da data do teu nascimento. Apenas se quiseres, claro, sem obrigações nem mentiras. A ciência depende da tua sinceridade. Me comprometo a fazer uma leitura em voz alta do teu parecer com o intuito de desmistificar o esoterismo literário que me aflige ou, dependendo do resultado, iniciar uma pesquisa mais aprofundada sobre os signos e a crítica. Espero não chegar nesse ponto. Sei que também não acreditas nessas coisas. Que tal, topas?


  • Nunca iguais, revisitadas

    Assim como as folhas altas nas copas das árvores balançam com o prenúncio de intensas chuvas… tal qual o som de passos ligeiros em direção a um compromisso que estar por iniciar… ou ainda a terceira badalada de uma campainha teatral que, após outras duas de igual duração, alerta os desavisados de que o espetáculo se iniciará, assim é a vida dos recomeços. Nunca iguais, revisitados. E entre tantos reinícios em minha vida ao longo deste último ano, as campainhas, os passos e o vento trazem o Crônicas Cariocas novamente à minha rotina, o acender de uma vela em meio às trevas. O portal, que há 18 anos está colado ao meu corpo, pelo avesso; uma sinfonia interna que faz dançar o coração – e atento ao olhar sobre o cotidiano. É como se eu adentrasse pela porta da frente uma casa que sempre foi meu lar. Pois bem.

    Como em qualquer reenceto, há de se dividir o espaço com certa cautela, nada muito marcante, porém presente: o segurar da pena que vacila ao encontrar o nanquim, trechos sem amarração de uma narrativa base – logo papéis amassados por fora de cestos de lixo. A emoção é enorme. O timing da escrita, não. Em se tratando de time, ou tempo, este que é cada vez mais escasso se mostra faceiro aos olhos inocentes de minha versão quase 3.6. Eu não quero falar sobre o tempo. Não o tempo que se esvai por entre os dedos ao manusear páginas de livros novos, tampouco aquele que não se sente ao deleitar-se com amigos, familiares ou cachorros. O tempo que mais se destaca – e ecoa, como ecoa – é o do barulho dos ponteiros analógicos, o vigia implacável que nos demonstra estarmos sempre por fazer algo, por nos deslocar, por agir – sem tempo para o sentir. O tempo movimento, o tempo espaço, o tempo objeto.

    Assim como a pena está para o nanquim, na correlação da escrita, eu estou para as artes, mero instrumento a serviço de algo maior. Energias que explodem ao se chocarem; o zumbido de uma Bialetti anunciando que o espresso está pronto – reforçado pelo cheiro maravilhoso deste líquido perfeito. Tudo não passa de um chamado de alma. E este é o ponto que só os artistas compreendem. Com a volta do Crônicas Cariocas, a Bia ressurge das cinzas poeirentas, o estojo verde da Olivetti deixa de ser apenas enfeite; neste ínterim, a Núbia vem abrindo novamente as cortinas vermelhas, pelos palcos de teatros e espaços de leituras dramatizadas. Há o retumbar da essência italiana, materializada na figura dupla de secretária de uma Colônia de descendentes e responsável pelo seu Departamento Cultural. Como ainda sobram horas à rotina de microempreendedora individual, uma cadeira no Conselho Municipal de Políticas Culturais é bem-vinda. E, resgatando a minha criança interior, aulas de costura. Processo terapêutico em dia, em dia com os momentos pós pandemia que deixou todos doidos varridos, e a minha loucura particular foi casar no civil e religioso para, obviamente, findado o último grande surto mundial, divorciar-me, não somente de um relacionamento pernicioso, como de uma parte podre de mim mesma. 

    Terapia não é teatro. Mas para dar certo na terapia, o terapeuta não pode por seu juramento numa balança, e escolher como tratar pacientes com base a se estão pagando com o cartão do plano de saúde ou via Pix. Desisti das sessões com psicólogos após muitas tentativas frustradas. Eu prefiro viajar, viajar é preciso, viajar é fazer com que a vida não escape de mim mesma, encontrar o desconhecido, perder-me e encontrar-me ao mesmo tempo. Mas a viagem de 2024, ao invés de envolver o Aeroporto de Antônio Carlos Jobim, como tem sido nos últimos dois anos, envolveu altas turbulências em solo. Após me desfazer da ideia fantasiosa de um casamento que só existiu em minha cabeça – ou talvez nem isso -, tornei-me mãe solo de um recém desmamado spitz alemão. Perdi minha cachorrinha, amor de toda a minha família e praticamente contemporânea a minha entrada no Crônicas Cariocas, passei por mudanças sensíveis em meu escritório, fiz minha segunda exposição como artista luminosa.  Uma homenagem ao meu pai, que nem soube que era para ele, pois, quis o destino tirar sua presença do nosso mundo desajustado. A alma de uma pessoa como a que foi meu pai não merecia mesmo passar pelas provações de um mundo cada vez mais Macunaíma. E se fez um rombo no que era a fortaleza de toda a minha história. E ruiu parte do muro que ainda estrutura a minha família – que seria só de mulheres, agora, não fosse o Zeca, meu pequeno e maravilhoso spitz. Revisitar não significa retornar, mas se por/estar no lugar de um visitante. E como visitante, sem amarras ou destino, me deixo aperfeiçoar itens no rol das atividades econômicas do meu CNPJ, sem acompanhar o ritmo do relógio, ao mesmo tempo que a burocracia do luto e descobertas de malandragens de pessoas próximas vão tratando de escaldar meu carater e visão de mundo. Desencaixotar e encaixotar caixas e mais caixas. Empilhar. Selecionar. Pensar. Pesar. Ter pena do apego, e não. Lembranças em todos os cantos, nos bibelôs e coleções, nas fotografias, cds e discos de vinil, nos móveis, tantos e tão apertados na casa de minha mãe, assinatura da paixão do papai pelas coisas incríveis. O luto é algo inebriante e assustador. Então me cerco das artes, esses aliados, fiéis escudeiros, que tratam de cuidar do meu interior, enquanto o lado externo é moldado pelas aulas de pilates e fisioterapia.

    Voltar é sempre um movimento após, há sempre o antes que não será repetido em sua exatidão. Pintar os cabelos, fazer minhas próprias vestimentas, ajustar minhas predileções gastronômicas, cerca-me das artes e dos verdadeiros amigos – apenas realmente aqueles que se importam. Interpretar coisas ou ideias novas. Aprender. Conhecer lugares e pessoas. Aos poucos, sem me dar conta, lá estou eu a escrever! Um passo, uma campainha, uma rajada de vento e a vida que passa, de novo, sendo vivida.


  • Conteste ideias, não pessoas

    Muitas vezes, ao argumentar, o redator deve contestar um ponto de vista diferente do seu. É preciso cuidado ao fazer isso. Quando a opinião a ser contestada vai de encontro a valores ou crenças, ele corre o risco de deixar de lado as ideias e investir contra as pessoas.     

    Um exemplo: numa redação sobre “Nível cultural e opção religiosa”, apresentei no suporte o fragmento de uma entrevista com Richard Lynn. Nessa entrevista o pesquisador britânico afirma que os indivíduos inteligentes são mais propensos a se tornar ateus, pois têm acesso a teorias alternativas de criação do mundo. Diz também que no Brasil, devido à miscigenação, há menos ateus e mais religiosos.  

    Um dos alunos tentou contestar o ponto de vista do estudioso dizendo que “essas duas afirmações estão totalmente equivocadas, ele com certeza não sabe nada sobre religião.” Afirmou isto sem explicar em que residiria o equívoco do pesquisador nem por que Lynn, uma autoridade no assunto, não saberia “nada” de religião.  

    Juízos apressados e genéricos não demonstram inteligência, mas birra e intolerância. Dão a entender que o emissor, tomado pela emoção, não está disposto a refletir, debater, avaliar os argumentos do outro. Há neles um predomínio quase que exclusivo dos afetos, que são um obstáculo ao discurso racional.

    Existem maneiras mais inteligentes de demonstrar que não se concorda com as ideias ou as atitudes de alguém. Contestar pessoas, além de ineficiente do ponto de vista argumentativo, constitui o primeiro passo para a intolerância e o preconceito. É o que se vê neste fragmento de uma redação sobre o caso Bruno: “Eliza Samudio não foi apenas vítima. Ela teve o que merecia. Quis dar o golpe do baú e acabou se dando mal. Ela deve ter importunado tanto a vida do ex-goleiro que ele não teve outra saída.”

    É fácil perceber nessa passagem que a precariedade dos argumentos decorre do propósito de julgar a vítima. A afirmação de que Eliza “quis dar o golpe do baú” e “deve ter importunado tanto a vida do ex-goleiro” não se baseia em fatos; é mera presunção. E, mesmo que fosse verdadeira, de modo algum justificaria o que se fez com ela.


  • K-Pop apresenta Tom Jobim

    Respeito muito a ideia de que cada geração tem sua música. Nem sempre concordo com o que é tocado, já vou avisando. Mas respeito.

    Em outro momento, volto a falar sobre música geracional, mas confesso que meu respeito é movido menos por qualquer elevação espiritual e mais pelo medo de ser apedrejado em praça pública. A execração na ágora me arrepia; ser apontado nas ruas é meu pior pesadelo.

    Mas, voltando ao que interessa: a música, e não as minhas fobias. Minhas filhas seguem o padrão, e para elas, K-Pop é sinônimo de música.

    Como pai, fiquei curioso para saber do que se tratava. “É música pop coreana”, me explicaram e completaram: “Tem J-Pop, que é japonesa; C-Pop, a chinesa…”. E eu, engraçadinho, quis completar com B-Pop, a brasileira, mas elas logo me cortaram: “Não é nada disso”. E fiquei calado, segurando o riso.

    Existem grupos de K-Pop masculinos e femininos, todos super jovens. Elas preferem as meninas, e eu achei que eram todas coreanas. Fui repreendido: “Não, pai, nem todas nasceram na Coreia do Sul”, me cortaram elas de novo. “Asiáticas, então?”, rebati. “Também não, a Rosé é da Nova Zelândia.” Balancei a cabeça, sem saber o que dizer.

    Elas são fãs, ou melhor, k-popers. Por elas, já fui ao cinema ver um filme com o encerramento da turnê mundial do Black Pink. Cenas dos diversos shows, das moças nos bastidores, e muitas músicas perfeitamente dançáveis. Sim, do alto dos meus 59 anos, vejo que o balanço delas é bom. Ponto para elas.

    Por isso, qual não foi minha surpresa ao ser brindado por uma das minhas filhas com a informação de que “Garota de Ipanema” havia sido gravada no mundo K-Pop. Em uma pesquisa rápida, descobri que a música é comum no repertório dos grupos de K-Pop. Achei ao menos umas três gravações distintas.

    Mas a informação de que K-Pop gravara Tom e Vinicius veio acompanhada de: “Quer ouvir?” Prontamente, concordei e qual não foi minha alegria ao escutar a gravação feita pelo Tom Jobim em um CD de 1987!

    Suspirei ao volante e escutei minha outra filha falar baixinho: “Olha a cara de relaxado do velho”…


  • Mesmo instante fugaz!

    Especialistas e pensadores debatem quais são os dilemas acerca da passagem dos anos. O documentário “Quantos dias. Quantas noites” abraça a conexão humana com a idade e o tempo desde o aumento da expectativa de vida até as desigualdades que envolvem esse tema. 

    O longa de Maria Farinha Filmes, dirigido por Cacau Rhoden, realiza um profundo mergulho nos propósitos de nossa existência no planeta, e lhe faz refletir o que realmente tem valor para se preocupar nesse exato momento.

    Drauzio Varella “considerou que se você transformar sua vida num vale de lágrimas no qual submerge de corpo e alma, estará tornando-a uma experiência medíocre. Julgar que aos seus 80 anos, seus melhores momentos foram aqueles dos 15 aos 25, é não levar em conta que a memória é editora autoritária, capaz de suprimir por si as experiências traumáticas, e relegar ao esquecimento as inseguranças, medos, desilusões afetivas, riscos desnecessários e as burradas que fizemos em nossa tenra época.

    Nada mais ofensivo para o velho do que dizer que ele tem “cabeça de jovem”, isso é considerá-lo mais inadequado do que o indivíduo de 20 anos que se comporta como criança de 10″.

    A melhor idade é aquela que lhe traz qualidade em um determinado momento, e não somente na velhice. Quanto mais cedo você construir seu melhor capital social de amigos e parentes, sua base de satisfação se tornará sólida e larga, bem antes daquele instante que vais necessitar de um ombro como apoio à seus passos doloridos.

    O curioso é que a vida de uma pessoa se encerra somente quando morre aquele que falava dela, e que até então as memórias do que ela viveu ainda são lembradas em falas curtas e incompletas. Por isso, nada mais razoável fazer se valer da presença desse indivíduo em sua vida, e demonstrar o valor e suas habilidades únicas em qualquer época de sua curta existência.

    “Os sábios geralmente morrem loucos, os tolos morrem sufocados pelos conselhos. Embora muitos morram de tolhices, outros tantos nem começaram a viver.” (Antônio Abujamra)

    Aprenda a andar mais perto dos jovens, eles trazem novas ideias e formas de conviver diferentes nesse mesmo instante fugaz, por vezes mais leve, e assim lhe oportunizam sentir melhor no mesmo momento por estar envelhecendo, e não aborrecendo. A dor passa, mas a beleza permanece.


  • À Criança

    Não deixei de brincar pelo medo de cair, nem de sorrir depois de receber um “carão”.

    Não deixei de assistir a desenhos por perceber que estava perdendo tempo em frente à TV.

    Não deixei de falar com meus pais sobre como foi meu dia, mesmo que para eles fosse apenas um dia qualquer.

    Não deixei de me enturmar, mesmo percebendo que não era bem-vinda.

    Criança não tem filtro. Por vezes, ouvimos que as crianças são páginas em branco que precisam ser preenchidas com uma vida idealizada pelos pais. A gente só entende o “ser criança” observando uma.

    Na beleza da sua inocência infantil, a gente é quem aprende, em vez de ensinar.

    Embarquei na decoreba das tabuadas e na escrita torta no quadro de giz. Mal sabia eu que, aos pedidos de biscoito recheado e à vontade de não mais largar minha amiga da escola, não existia comparação nem competição; a gente apenas queria passar de ano e desejava que o recreio não acabasse.

    A palavra futuro era um palavrão que aparecia no livro de português nas conjugações dos verbos.

    Tínhamos de distinguir bem o que era o futuro do pretérito, ou futuro do presente. E o que dizer do pretérito mais-que-perfeito? Sempre achei bonita essa composição de palavras, mas, ao pé da letra, existe um passado mais-que-perfeito?

    A vida podia ser simples, mas profunda. Não havia artifícios; apenas tudo acontecia naturalmente. O medo vinha, mas bastava fechar os olhos bem forte e se cobrir com o lençol para que tivéssemos um mundo só nosso, na nossa imaginação fértil.

    Deus quis que a fase mais feliz fosse a infância, para que entendêssemos sobre a pureza, dependência, restauração, lealdade e amor incondicional.

    Hoje não é um dia de tributo ao Peter Pan, mas quem sabe a gente aprendeu mais na idade em que tudo era uma brincadeira, onde nada era tão sério, a não ser o amor desmedido dos pais e a preocupação deles ao perceber que não íamos bem na escola, sabendo que só queríamos brincar e deixar o dever pra lá.


  • Nós que aqui estamos…

    Está se aproximando o Halloween e, com ele, o momento de brincar com algo que nos assusta. Mesmo que não se leve nada a sério, entrar na brincadeira, se fantasiar, é ter contato com figuras fantasmagóricas, com o objetivo de causar medo. Assumir a identidade dessas criaturas é uma forma lúdica de extravasar a face maligna que, de certa forma, está presente em todos nós. Aquele território obscuro do mal que nos habita.

    Me chama a atenção que as representações figurativas do mal venham, na maioria das vezes, associadas à morte. Talvez porque, na cultura ocidental, consideramos morrer algo negativo, a passagem para o indefinido. Seja para os que acreditam que não há nenhum outro plano de existência depois da morte, seja para as pessoas com alto grau de crença na vida eterna, ou mesmo entre os que acreditam na reencarnação, não há certeza do que nos espera do outro lado.

    Não por menos, o Dia das Bruxas antecede o Dia dos Mortos, como se a brincadeira de se vestir de alma penada por um dia fosse uma forma de se preparar para encarar a passagem para o outro lado, no dia seguinte.

    Nessa sequência comemorativa do final de outubro, o Dia dos Mortos é reverenciado com visitas aos cemitérios, e outros rituais. As pessoas reagem de diferentes formas à perspectiva da morte: algumas a encaram de uma maneira suave e natural; outras se apavoram, não podem nem ouvir falar nessa palavra; e há aquelas que cultuam esse momento, seja de pessoas próximas ou mesmo desconhecidas e, como carpideiras, aproveitam para liberar lágrimas de outras emoções reprimidas.

    Sem entrar no mérito de qual seria a melhor maneira de lidar com a passagem para a morada eterna, creio que qualquer pessoa evita pensar em quão próxima ela está.  Por isso mesmo, ao ler esse “convite” colocado no portal de um cemitério, dei uma risada, confesso, um pouco nervosa.

    Nós que aqui estamos, por vós esperamos.


  • A inveja é um sentimento que brota

    Alguns acontecimentos recentes me despertaram para algo que suspeito faz tempo: a sorte tem seus escolhidos.

    Por mais que não haja um processo claro e justo para esse favoritismo, ele acontece ali diante dos nossos olhos. É como assistir seu irmão ganhar de presente de Natal um carro elétrico e você um lindo pijama florido de flanela. A diferença é gritante, a revolta é muda, a raiva, efervescente; e uma pergunta que sobe pelas paredes: por quê? Por quê?

    A sorte assume seus filhos preferidos de forma escandalosa. Faz concessões absurdas, muda as regras e os critérios para agraciar seus queridinhos. E não adianta reclamar, bater pé, rogar por igualdade, o jogo é sujo e indecoroso.

    Quem tem sua benção, em geral, não precisa de esforço, empenho, desgaste, a coisa acontece, cai no colo, bate na porta. Quem não conhece alguém que tem a vida afortunada pelo acaso? Nem me refiro aos que nascem herdeiros, não. Esses também têm o que eu queria ter, mas, muitas vezes, pagam o preço de uma família insuportável, vivem numa selva emocional, de competição e vazios que eu não invejo.

    Refiro-me ao sujeito comum, assim como eu, que por ordem da Mãe Suprema, Dona sorte, recebe, de mão beijada, o que eu não alcanço nem de mão cuspida. Exemplos não faltam: a pessoa que se dedica ao trabalho e nunca chega a sua vez de ser promovida porque tem sempre alguém que não faz nada, mas é a escolhida; as colegas de academia, fisicamente privilegiadas em curvas e formas que comem de tudo e não engordam, os que acertam na Mega-Sena. Enfim, diante dos fatos não há argumentos. Ou a Sorte tem seus escolhidos, ou a vida tem um prazer mórbido de ser injusta, implicante e ordinária, ou ainda eu e todos os filhos renegados somos invejosos e despeitados. Mas assumo: ouvir uma escritora, premiadíssima, dizer que nunca desejou fazer sucesso, apenas “aconteceu” em sua vida, me derrubou. Constatei de forma brutal que não sou mesmo atraente para sorte. Passo longe de ser a favorita, a preferida, a escolhida, a queridinha. Pelo visto, ela se agrada dos filhos rebeldes, desinteressados ou distraídos. Só me resta saber: todo patinho feio pode virar cisne pelo seu próprio esforço ou só deixa de ser patinho feio se um cisne poderoso decide promovê-lo ou enxergá-lo como tal?

    Sem encontrar a resposta ou garantias, me atravessa outra dúvida: continuo escrevendo minhas crônicas, livros e poemas? Sigo divulgando, postando, fazendo cursos, indo às feiras literárias na tentativa de construir meu lugar? Insisto em esperar que os amigos leiam, compartilhem meus escritos? Alimento o sonho que me abraça de ser lida por muitos e pelo mundo, de habitar escolas e bibliotecas? Ou me faço de tonta para que a sorte me perceba e a magia aconteça?

    Acho muito cansativo tudo isso. Prefiro torcer para que a persistência seja aquela tia boa que, inconformada com o favoritismo do caçula, se empenha em compensar o renegado, lhe dando um sorvete de casquinha, um brinquedo interessante, um colo quentinho e um cafuné reconfortante.


  • Evite o abuso do verbo “fazer”

           — O que o músico faz em comum com o sapateiro?

           — Sola.

           No diálogo acima há um jogo de palavras que se apoia na homonímia da palavra “sola”. Ela é verbo e substantivo. Significa, no primeiro caso, o ato de “executar um canto ou solo”. E no segundo, a “sola do sapato”.  

         O jogo de palavras só foi possível graças ao emprego do verbo “fazer”. Ele significa “produzir, confeccionar” no que diz respeito ao ofício do sapateiro (“sola”, ou “solado”, é mesmo o que o sapateiro faz). No que tange à atividade do músico, “fazer” não tem sentido próprio; substitui o verbo “solar”. Ou seja: é um verbo vicário.

          Vicários são os termos que aparecem no lugar de outros. Pronomes, numerais, advérbios (sim e não) e o verbo “ser” também desempenham esse papel. Veja alguns exemplos: “Pedro desistiu de concorrer a uma vaga para medicina. Ele não tinha esperança de passar”, “Veio acompanhado de um irmão e um primo; o primeiro era mais educado do que o segundo”, “Você gosta de cinema? Sim (ou seja: gosto)”, “Se desistiu, foi porque não teve o estímulo da família (quer dizer: “desistiu porque não teve o estímulo da família)”.

          O verbo “fazer”, seguido ou não de pronome, pode substituir qualquer verbo de ação da língua portuguesa. Uma pergunta como “O que você faz?” admite como respostas frases do tipo: “Estudo”, “Construo prédios”, “Organizo eventos” etc. “Fazer” toma o lugar de todas essas ações.

              A amplitude semântica desse verbo pode levar a abusos no seu emprego. É quando, em vez de empregar uma forma verbal específica, usa-se “fazer” seguido de substantivo. Eis alguns exemplos retirados de redações: “Decidiu-se fazer a votação de duas propostas bem especiais”, “É preciso fazer uma avaliação honesta do que está ocorrendo no País”, “O governo precisa fazer uma sondagem na opinião pública”.  

              Devem-se evitar essas construções perifrásticas. O texto ganha em economia e expressividade quando elas são substituídas pelos verbos correspondentes. Por que não dizer “votar duas propostas” “avaliar honestamente” ou “sondar a opinião pública”?  Além de ter mais energia do que o nome, o verbo designa diretamente a ação. 

              Há casos em que o conjunto “verbo mais substantivo” é pertinente (como em “fazer um levantamento”), mas na maioria das vezes ele afrouxa a expressão.


  • Como vejo o mundo!

    Quem gosta de viver com a sombra dos outros é o cacau, cultivado em regiões com temperaturas superiores a 21ºC. O clima frio ainda prejudica a qualidade das sementes, por isso o plantio é recomendado em regiões mais úmidas e quentes. Como o cacaueiro necessita de arborização para ficar protegido dos raios solares, seu brilho e sua vida dependem muito da sombra que o protege.

    Viver dessa forma ou por vezes no escuro, não deveria ser motivo de desistência, apenas uma condição a ser atendida, como outras tantas necessárias para nossa subsistência.

    Folheando meu novo livro, descobri que além da Fontana Di Trevi, existem outras três fontes em Roma: Fontaine dei Quattro Fiumi, Fontana di Nettuno e Fontana del Moro, todas adornadas com esculturas. Ainda não tive o prazer de conhecê-las pessoalmente, porém, nenhum amigo ou outros tantos que já fizeram uma viagem a Roma, me descreveram a existência das fontes com riqueza de detalhes.

    O livro se chama “Como Vejo o Mundo”, escrito por Gilberto Henrique Buchmann, escritor, graduado em letras, funcionário público federal, notável viajante internacional. O Giba ilustra diversos lugares espetaculares visitados por ele, durante sua jornada de viagens internacionais independentes.

    Em sua infância alguns quiseram imaginar que ele não poderia frequentar escolas públicas, porém, a sombra lançada desde cedo, não o fez desistir de seus sonhos, apenas atrasou um pouco o despertar para a vida mundana.

    No livro ele conta suas experiências em cinco países, desde a concepção do projeto até os detalhes diários, enriquecidos em cada página desse quase guia turístico.

    Ele estuda esperanto, que é a língua planejada mais falada no mundo, por isso pôde participar do encontro da Liga internacional de Esperantistas na cidade de San Benedetto del Tronto a 164 km de Roma, tão preparado como um componente do paragone, que debatia a arte de forma superior.

    Gilberto é daquelas pessoas generosas que compartilham suas boas experiências, típico comportamento de um homem atencioso com os outros, que tem algo a nos acrescentar.

    Você pode comprar o livro no link: www.editoraviseu.com.br/como-vejo-o-mundo-viajar-sozinho-sem-enxergar-prod.html.

    Esqueci de mencionar, o Giba é deficiente visual, que lhe permite um conhecimento mais que peculiar do mundo.


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